Como vocês devem ter percebido sou um admirador de José Saramago, sobretudo por se tratar de um escritor de estilo, talvez o maior ainda em atividade. Gilles Deleuze definiu no seu abecedário estilo como sendo um “composto de duas coisas: a língua que falamos e escrevemos passa por um tratamento que é um tratamento artificial, voluntário. É um tratamento que mobiliza tudo: a vontade do autor, assim como seus desejos, suas necessidades, etc. A língua sofre um tratamento sintático original. Pode se fazer a língua gaguejar. Não estou falando de você mesmo gaguejar, mas de fazer a língua gaguejar. Ou fazer a língua balbuciar, o que não é a mesma coisa. É por isso que um grande estilista não é um conservador da sintaxe. É um criador de sintaxe. Eu mantenho a bela fórmula de Proust: ‘As obras-primas são sempre escritas em uma espécie de língua estrangeira’. Um estilista é alguém que cria em seu idioma uma língua estrangeira. Ao mesmo tempo que, sob o primeiro aspecto, a sintaxe passa por um tratamento deformador, contorcionista, mas necessário, que faz com que a língua na qual se escreve se torne uma língua estrangeira, sob o segundo aspecto, faz-se com que se leve toda a linguagem até um tipo de limite. É o limite que a separa da música. Produz-se uma espécie de música. Quando se conseguem essas duas coisas e se há necessidade para tal, é um estilo. Os grandes estilistas fazem isso. É verdade para todos: cavar uma língua estrangeira na própria língua e levar toda a linguagem a uma espécie de limite musical. Ter um estilo é isso.”
Concordo inteiramente com o conceito de estilo dado por Deleuze. E José Saramago, certamente se enquadra naquela definição, ele levou a literatura escrita em língua portuguesa a um limite que rompe com a noção lugar comum de bom escritor que a maioria de nós temos. Ler os seus romances é sem dúvida um exercício de estranhamento – o que em tempos de mesmices e mediocridade literária se torna um bálsamo. Enfim, recomendo aos que não conhecem a prosa estilística de Saramago o façam o quanto antes, e não deixem também de ler o blog, lá ele expõe uma de suas melhores facetas: o de intelectual atento e analítico aos acontecimentos contemporâneos (como pode ser lido no ótimo artigo intitulado “George Bush, ou a idade da mentira”), simplesmente imperdível. Quem sabe assim o ‘nosso’ Mago que se auto-intitula o intelectual mais importante do Brasil não aprende alguma coisa com um (Sara)mago verdadeiro?